E o avião caiu no rio…

Posted on 17 de janeiro de 2009

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Quando a gente pensa que está ficando velho, e nada mais divertido pode acontecer, um avião cai no rio no meio de Nova Iorque. Ainda bem que não foi em São Paulo, ou todo mundo teria que tomar vacina contra Hepatite.

(o lado bom de acidente em que não morre ninguém é que a gente está liberado para fazer piada sem receber cartas de indignação).

Por coincidência, uma semana atrás, eu tinha escrito um artigo em inglês, sobre como os astrólogos adoram ficar olhando para cartas de acidentes de avião, e porque obviamente nunca chegam a nada. A principio eu não pensava em traduzir para o português, mas acho que vale a pena. Aproveite e entre nas ótimas comunidades de astrologia dos orkuts da vida, para ver o povo “analisando” a carta do acidente. Você sempre pode dar boas risadas vendo o povo se digladiando sobre a carta do acidente, cada um tirando uma conclusão mais absurda que o outro.

Abaixo a tradução do artigo:

Toda vez que um avião cai, os astrólogos saem de suas cavernas, covas e árvores, levando em suas mãos, como se fosse a tocha de Prometeu, a carta do acidente, a carta do momento em que o fatídico avião levantou vôo para a tragédia. Dessa maneira, todos podem alegremente prever as coisas que já aconteceram…

“Oh, você viu como é horrível essa carta ? Esse avião estava DESTINADO a cair. Se ao menos os astrólogos fossem contratados pelos aeroportos, esse tipo de coisa não aconteceria”.

Mas, felizmente, os aeroportos não contratam astrólogos, ou então nenhum vôo sairia do chão. Mentira… sairia um a cada 6 meses.

Outra coisa interessante é que, na prática, eu nunca vi um astrólogo fazer previsões (entendidas como “antes do fato consumado”) usando esse método da carta do vôo. Curioso. As comunidades estão sempre se deliciando “analisando” a carta, mas sempre depois do acidente. Antes do acidente ninguem se preocupa, por que será ?

O que eu acabei de dizer não é totalmente verdadeiro. Eu já vi astrólogos corretamente preverem, usando a carta de partida do vôo, que NAO haveria acidentes. Uma famosa astróloga, tem em seu livro de horária uma previsão, feita para sua cliente, de que o “vôo seria seguro”. Outra vez também li um diálogo que era mais ou menos assim:

Oh meu deeeeeus, depois do Avião (da gol ou da Tam, não lembro) estou com muuuuuito medo de andar de avião, mas vou ter que viajar, por favor alguém pode olhar a carta da minha partida e ver se tudo ficará bem ?

Astrólogo com mais ego que bom senso: Não se preocupe, eu vi a carta e não haverá problema nenhum.

Devo dizer que, nos dois casos, os astrólogos acertaram, realmente não houve acidente. É claro que o fato de que a taxa de acidentes em aviação é de mais ou menos de um acidente para cada um milhão de decolagens pode ter algo a ver com esse acerto. Não tenho muita certeza. Mas na próxima vez que perguntarem para você:

  • “Meu avião vai cair ?”
  • “eu vou ganhar na loteria ?”
  • “vai haver um terremoto em tal dia?”

Seja esperto e diga NAO. Você terá uma chance em 30 milhões de estar errado. E mesmo que você tenha errado a pessoa não vai se importar: ou ela vai estar feliz (loteria), ou morta nos escombros, e dificilmente vai poder ir ao Procon.

Mas agora vamos ver porque é impossível fazer uma previsão real usando cartas de acidente.

1 – Há demasiadas cartas para uma previsão

Verifique que todos os astrólogos que dizem que esse método “realmente funciona” só usaram seu impressionante poder preditivo depois que o acidente aconteceu. Depois que o acidente aconteceu, é fácil olhar para uma carta e dizer “veja como ela é horrível” (e aposte que, nesse momento, há gente repetindo isso por toda a internet). Mas por que ninguém usa ele antes, se é tão bom assim ?

O primeiro motivo é porque teríamos que procurar por centenas, milhares, milhões de cartas para achar as “assinaturas dos acidentes”. Mesmo que você olhasse apenas para a sua região, durante um ano inteiro, com 365 dias cheios de vôos comerciais saindo a todo momento, é um trabalho duro achar o momento exato em que um avião cairá. Como é um exercício muito esgotante, a maioria dos astrólogos prefere usá-lo só depois que sabe que o avião já caiu, e a que horas. Poupa trabalho e você nunca está errado.

2 -Os fatores astrológicos abrangem sempre amplas regiões

O avião caiu em Nova Iorque. Mas desenhe a carta para todas as cidades da mesma região, como Filadélfia, Washington, etc, e verá que são praticamente idênticas.  Todos os vôos que sairam das regiões próximas nessa hora teriam a mesma carta. Além disso, algumas horas depois do vôo, a mesma configuração iria se repetindo ao longo do Globo, numa onda de morte e destruição. Mas, aparentemente, isso não acontece.

E isso é para fatores locais, como por exemplo “o senhor do ascendente estava na casa 8, que horror!”. Outros fatores, como Júpiter combusto, são globais, e afetam o mundo todo sem distinção.

3 – Cartas “ruins” acontecem o tempo todo

Para o astrólogo de botequim é fácil abrir uma carta de um acidente e dizer “oh, que carta horrível, é óbvio que o avião caiu”. Mas para quem está acostumado a responder horárias, verificar trânsitos e fazer eletivas, sabe muito bem que as cartas “ruins” são muito mais a regra que a exceção.

Não importa o quão ruim a carta do acidente em Nova Iorque, ou Espanha, ou São Paulo, possa ser, no dia do acidente milhares de outros vôos chegaram bem e decolaram com cartas tão ruim ou piores ainda que as dos vôos fatídicos. na verdade eu garanto que, para qualquer fator que você encontrar (significadores aflitos, combustos, etc) eu posso achar um outro dia em que nenhum avião caiu, e que tinha uma carta ainda pior.

Podemos dizer que os aviões e a maioria das tecnologias são “resistentes a astrologia”. Se elas não fossem, você teria que tirar destroços de avião do seu quintal uma vez por semana.

4 – Os fatores astrológicos mudam lentamente.

É fácil olhar para uma carta do acidente e dizer que a culpa é de plutão. Mas quantos meses ou anos plutão vai ficar na mesma posição ? Um aspecto de Júpiter pode ficar em vigor por semanas. Mesmo fatores “rápidos”, como o signo ascendente, demoram até duas horas para mudar. Por que todos os aviões que decolaram durante essa janela de duas horas não caíram.

Vamos imaginar outra situação. Vamos supor que, em nossa comunidade fictícia de astrologia, a culpa é dada ao ascendente em aries, e marte em escorpião. Ora, marte fica nesse signo, em geral como um mês e meio (mas pode ficar até seis meses num signo).  Durante todo esse tempo, no mundo inteiro, pelo menos uma vez por dia haveria decolagens com a configuração “regente do ascendente na casa 8 da morte”.

Esse tipo de previsão na verdade cai sobre o reino da astrologia eletiva. As pessoas gostam de usar métodos de eletiva em coisas como futebol. Mas infelizmente só usam uma ou duas vezes e já declaram vitória. Mas, se você for prever todos os jogos de sábado, como 10 por dia só em seu país, a maioria começando ao mesmo tempo, durante semanas e semanas, você veria como os planetas se movem devagar.

5 -A carta representa um momento.

O que significa que é apenas lógico que, quando acontece uma tragédia, a carta aponte coisas feias. Afinal centenas de pessoas morreram. Mas isso não significa que o avião caiu porque a carta era má.

Uma vez eu falei com uma aeromoça que gostava de astrologia. Ela contava que, mais de uma vez, ela acordava com aquele pé frio, aquele medo de entrar no avião, e levantava uma carta astral. E as cartas sempre pareciam horríveis, era lógico que o avião ia cair. Mas, óbvio, ela tinha que ir para não perder o emprego. E é claro também que o avião nunca caiu. Os vôos eram horríveis, com atrasos, turbulências, passageiros histéricos, mas o avião se mantinha no ar. Uma carta ruim pode representar um vôo ruim, sem necessidade do astrólogo espremer sangue da carta astral.

6 – Por que os aviões são “resistentes à astrologia” ?

Na verdade eles não são “resistentes”, é apenas o que eu chamo de “Princípio da Realidade”. Você acha que a astrologia se fundamenta na realidade, ou o contrário ?

Por exemplo, eu não posso fazer uma eletiva para ser presidente dos EUA, porque eu não nasci lá. E mesmo que eu tivesse nascido, não bastaria escolher uma boa eletiva e me candidatar, como diz o senso comum. Não posso ser rei da Inglaterra porque não sou filho da Elizabeth ou Diana. Eu não preciso escolher uma “boa carta” para cada vez que sair de casa. Mesmo que eu vá comprar o jornal num mal momento, isso não significa que eu vou ser atropelado ou que vá cair um meteoro na minha cabeça.

Da mesma maneira, as cartas astrais devem ser pesadas contra a realidade da situação. Se você olha uma carta prevendo chuva, mas ela foi feita para o Saara, não vai chover. Em cartas de futebol, as probabilidades de cada um vencer são mais ou menos iguais. Se não fosse assim, ninguém iria ver o jogo. O perdedor iria lá só para se render e pronto. Então é fácil prever, vitória de um lado ou outro. Agora, se você quisesse prever que o estádio vai desabar e matar os dois times, daí já vai ser mais difícil.

Lember que a probabilidade de um acidente (não necessariamente trágico) de avião é algo como um para um milhão. Os aviões não são realmente “resistentes a astrologia”. O problema é que vivemos numa realidade onde os aviões quase nunca caem. Se não fosse assim, você nunca encontraria um piloto aposentado.

7 – Esses eventos são da astrologia mundana

A astrologia mundana é aquela que trata da astrologia de nações, países, povos, grandes desastres, etc. Na astrologia tradicional há uma hierarquia, e as cartas mundanas estão no seu topo. Por exemplo, um monte de gente vai ter em suas cartas natais um “grande potencial” para sua carreira sendo ativado nesse ano e no próximo. Mas com uma recessão mundial se aproximando, o mais provável é que muitos desses potenciais fiquem apenas nisso, e a pessoa até perca o emprego.

Infelizmente a maioria dos astrólogos perderam as técnicas mundanas, como eclipses, lunações, ingressos, ou pior, como um astrólogo moderno com que briguei outro dia, não se importam em aprender direito e querem fazer de acordo com sua própria cabeça, no melhor estilo “o conhecimento é democrático”, também conhecido como “eu faço como quero, você não manda em mim!”

Olhar para a carta do evento, sem antes ter olhado toda uma série de cartas hierarquicamente superiores é como querer fazer um acordo com a Microsoft, e pensar que, antes de ir falar com o Bill Gates, é bom convencer o segurança do prédio que o acordo de 1 bilhão de dólares é uma boa idéia…

Mas, como os astrólogos perderam essas ferramentas, estamos como o famoso carpinteiro cuja única ferramenta era um martelo: ele tratava todo problema como se fosse um prego.

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