Exageros gregos

Posted on 17 de junho de 2009

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Muita gente acha que a astrologia tradicional “sempre esteve aí”. Nada mais lógico, afinal de contas, ela é “tradicional”.

Mas nada mais errado. A maioria dos astrólogos modernos nao conhece livros que tem mais do que uns vinte anos no máximo. Tem gente que tem a pachorra de chamar de “clássico” livros que nao tem nem 40. E, esses livros “clássicos” por sua vez nunca leram os verdadeiros clássicos da astrologia.

Alan Leo, por exemplo, obviamente leu alguns dos clássicos, mas as pessoas que consideram Leo um “clássico”, nao leram nenhum dos trabalhos antigos de astrologia.

Às exceçoes geralmente sao pessoas que leram Ptolomeu (que está de graça na internet) e erroneamente acham que Ptolomeu é um representante da astrologia tradicional (ele nao é). Ou entao algumas pessoas que deram uma leitura superficial em Morin, e, erroneamente, acham que ele é a última bolacha do pacote e que inventou tudo o que diz. Nao, nao inventou.

Na verdade, um dos trabalhos clássicos mais divulgados hoje em dia, A Astrologia CRista, de William Lilly, só voltou a ser republicado nos estados unidos nos anos 80. Antes disso, era item de colecionador. Nessa mesma época, surgiu o projeto Hindsight que começou a traduzir trabalhos originais. Hoje em dia, graças aos tres Roberts, Schmidt, Hand e Zoller, a astrologia tradicional fez um grande resurgimento, para o desgosto do povo que acha que a casa 12 é a da espiritualidade e tudo na sua carta pode ser resolvido olhando-se a Quiron.

No entanto, a traduçao de uma série de importantes trabalhos gregos tem causado um efeito colateral, o exagero. Acho que é normal, cada movimento vai até sua conclusao lógica, e depois um pouco além dela, até que o exagero começa a reverter. Mas acredito que seja importante ressaltar, para que a gente nao caia nessas armadilhas.

A Palavra sagrada é a que temos

Sendo um dos trabalhos mais antigos em astrologia, as pessoas tem a tentação de ver como palavra sagrada. Se algo veio depois, com certeza foi erro de tradução.

Essa é uma conclusão um pouco precipitada demais. O argumento geralmente dado é do tipo “os árabes não tinham o livro 5 de Valens” ou algo parecido. Bem, podiam não ter, mas não temos a menor idéia de que outros trabalhos escritos eles tinham que não temos hoje em dia, ou que tipo de conhecimento foi passado oralmente, de professor a estudante, e nunca chegou a via escrita.

Por exemplo, Ptolomeu não é citado por ninguém, e não cita a ninguém. Se só tivéssemos a Valens, nunca saberíamos que Ptolomeu existiu, e vice-versa.

A proposta de que temos o conjunto central do pensamento grego, pode até ser verdadeira, mas me parece pretensiosa demais para ser confiada.

Tudo o que veio depois dos gregos é de origem grega

Falso, mas já vi esse tipo de raciocínio várias vezes. Por exemplo, vi a seguinte discussão num fórum, mantida por dois helenistas modernos…

A firdaria é uma técnica que divide a vida da pessoa em fases, regidas pelos planetas, e por sub-fases. Para encontrar a sub-fase, basta dividir o período por 7 partes iguais. A discussão é que, se nos basearmos nas técnicas gregas, isso obviamente está errado, já que os gregos sempre dividiam as fases em partes desiguais.

Só tem um probleminha nesse raciocínio… a firdaria vem da astrologia persa, e não tem nenhuma indicação que tenha vindo da astrologia grega. Por que diabos usaríamos um princípio grego? Ainda mais para chegar à conclusão de que o método está “errado”?

O método de divisão da vida em fases da astrologia hindu é chamada de Dasas. As dadas se baseiam nas nakshatras que não tem nenhum equivalente na astrologia grega. Embora o “espírito” das Dasas se encontre na astrologia grega, é muito diferente dizer que o método está “errado” porque não concorda com o que achamos em algum livro grego.

Tudo o que veio antes dos gregos também é de origem grega

Parece absurdo, mas recentemente numa discussão, um conhecido helenistico declarou que as exaltações, que pelo que se sabe são de origem babilônica, são na verdade gregas, “porque se encaixam demasiado bem no sistema grego para ser coincidência”.

Por exemplo, as exaltações combinam bem com o esquema grego conhecido como “Thema Mundi”.

É claro que seria muito mais lógico dizer que os gregos criaram o sistema do thema mundi para adaptar o sistema babilônico, mas às vezes é mais fácil adaptar a história…

“Isso é grego para mim”

Para entender astrologia grega é preciso falar grego?

Cada vez mais os helenísticos estão caindo numa armadilha perigosa… cada palavra tem que ser exatamente igual ao original em grego, ou então ela “perde o sentido”. E dá-lhe zoidia, moiria, peripetese, oikodespotes, heimarmene, tuche… E ai de quem confundir o destino heirmarmene do destino moiria!

É claro que eventualmente isso vira apenas um código para saber quem é membro do clube. Já existe um conjunto de palavras na astrologia, e elas não vão mudar. Se a palavra atual “signo” nao representa mais o que os gregos queriam, bem, azar, mas a palavra astrológica continua “signo”. Uma explicação do contexto original valeria um ótimo adendo, ou uma nota de rodapé, agora querer mudar a palavra é obviamente uma leviandade.

Principalmente quando, apesar da curiosidade histórica, a mudança de nome nao afeta nosso conhecimento astrológico. Ele nao nos leva a diferentes conceitos ou práticas, ou seja, nao melhora nosso entendimento. Mudar de “Lua” para “Selene”, apenas tem sentido de dizer que somos do grupo de iniciados. Pior do que isso, induz ao erro de pensar que os planetas estão ligados de alguma forma a mitologia dos deuses gregos e romanos!

Uma simples frase como “os senhores da triplicidade do signo de Aquário são Saturno, mercúrio e Júpiter, que devem estar em signos cadentes” pode tornar-se algo abominável como “os senhores dos ventos da Imagem do Derramador das águas são Cronos, Hermes e Zeus, que devem estar em signos que não estejam se afastando do horoskopos.”

E, novamente, você não aprendeu nenhuma astrologia com todo esse novo “vocabulário”. Só demora a leitura e cria desnecessário tecnicismo.

Mas, novamente, tem gente que adora.

Signos Inteiros

Eu adoro signos inteiros e uso eles faz vários anos, mas novamente surgiram exageros.

A primeira tentação, é óbvio, é de falar que os sistemas de casas por divisão (o que estamos acostumados, como Placidus, regiomontanus, alchabitius) estão errados. Nao, não estão. Funcionam, e a maioria das interpretações baseadas em casas (que vemos em autores posteriores, como Bonatti, Morin, Lilly) só funcionam usando sistemas de divisão.

Você pode notar que apesar dos sistemas de signos inteiros usar os significado das casas, eles raramente mencionam o planeta como regente, preferindo se concentrar nos seus significados naturais.

Agora, também tem o povo por exemplo que decidiu, por puro gosto, que o correto era usar astrologia horária com signos inteiros! Isso é taaaao errado em pelo menos tres níveis!

1 – A horária NAO foi inventada pelos gregos, e portanto não tem nenhum motivo para se usar signos inteiros. Foi inventada muito tempo depois.

2 – A horária foi inventada por astrólogos que usavam casas sim, e usavam um sistema mixto, misturando os dois sistemas. Mas, no caso de Mashalah, apesar dele não mencionar as cúspides das casas, sabemos por outros trabalhos que ele usava alchabitius. Nas horárias sobre a casa 19 ele usa o MC, nunca usa o décimo signo.

3 – a horária é o nosso sistema menos “idealista” e mais “pés-no-chao”. A materialidade cria certas características das horárias: por exemplo um planeta numa casa é muito menos importante que o regente dessa casa, procedimento inverso ao da astrologia natal. Do mesmo jeito, as pequenas diferenças da cúspide das casas são pequenas em natal, mas essenciais em horária.

Sect

Sect ou séquito (palavra tentativa) é o conceito de que há duas “facções” planetárias… a solar e a lunar. O sect solar consiste do sol, júpiter e saturno. O lunar é formado pela lua, venus e marte. Mercúrio não pertence a nenhum lado, e geralmente vai variando de posição de acordo com a carta. É um conceito muito importante e tenho utilizado por vários anos.

A primeira vez que eu percebi que o conceito estava ficando “fora de controle”, ou seja, sendo exagerado e deturpado, foi quando uma conhecida helenistica respondeu que achava que preferia muito mais um marte em câncer (marte está em queda em câncer) do que um marte durante o dia (marte, para uma carta diurna, é considerado como sendo mais maléfico porque está contrário ao seu sect, que é noturno).

Ora, vamos ver. Marte está diurno metade do dia. Metade das pessoas têm um marte diurno, porque nasceram durante o dia.

Marte demora, em média, dois anos e meio para dar a volta ao redor do zodíaco. Entao, na média, esperamos que fique uns 2 meses em câncer, ou seja, 1/12 das cartas, terão marte em câncer.

Só com isso já se vê que há algum problema nessa lógica! Que o sect é importante, não há dúvida, mas como ele repentinamente foi eleito como o mais importante fator para determinar a maleficidade de um planeta? Quer dizer que você prefere ter um marte em câncer na 8, durante a noite, que um marte em áries na 11 durante o dia? Bem, bom pra você.

Isso leva a outros exageros na parte prática. Veja uma eletiva por exemplo. Todos os helenisticos que já vi fazendo eletivas, sempre tem marte em casa cadente! Como quase tudo que se faz durante a vida tem que ser durante o dia, marte sempre será o grande inimigo porque está fora de sect! Entao a solução é sempre colocar ele em casa cadentes!

O problema com eletiva, é que se você “ajusta” uma coisa, você perde outra. Se você decide, a priori, que marte tem que estar cadente, dai você vê algumas dessas eletivas, que o quadro geral parece péssimo, mas o autor fica contente porque marte estava cadente….

Por mais que seja importante o conceito de sect, ele tem que ser temperado por outros fatores na carta. As metáforas que foram apresentadas até agora, como por exemplo a dos “partidos políticos” são limitadas, já que uma carta astral se comporta de maneira bem diferente do sistema partidário norte-americano.